Nicolly Teixeira – Rios de Notícias
MANAUS (AM) – Celebrado em 19 de abril, o Dia dos Povos Indígenas já passou, mas a reflexão sobre a importância dos povos originários para a formação do Brasil continua urgente e necessária. A data, que busca reconhecer a diversidade cultural e a presença histórica dos povos indígenas no país, vai muito além de um marco no calendário: ela convida à revisão de estereótipos e à valorização dos saberes ancestrais.
Instituída há 83 anos como “Dia do Índio”, durante o governo Getúlio Vargas, a data foi oficializada após o Primeiro Congresso Indigenista Interamericano, realizado em 1940. Ao longo das décadas, no entanto, o ensino sobre os povos indígenas foi marcado por abordagens simplificadas e carregadas de preconceitos, muitas vezes reforçados no ambiente escolar.
Essas práticas, embora pudessem partir de boas intenções, perpetuaram visões estereotipadas, moldadas por uma sociedade que, historicamente, fetichizou e marginalizou as culturas indígenas. Foi apenas no século 21, com o avanço do acesso à informação e o fortalecimento dos movimentos indígenas e acadêmicos, que educadores começaram a reavaliar suas práticas.
Para compreender a relevância do tema no campo educacional e acadêmico, o portal RIOS DE NOTÍCIAS conversou com o historiador e professor Luciano Ewerton, que atua no Centro Universitário Santa Terezinha (CEST) e na Universidade do Estado do Amazonas (UEA). Ele destaca que os saberes indígenas precisam ser abordados continuamente nas escolas e que é preciso romper com visões colonizadas e reducionistas.
“Temáticas acerca das culturas indígenas devem ser trabalhadas de modo a perpassar as disciplinas de História, Literatura e Artes, por força da Lei 11.645/08. Mas fundamentalmente necessitam ser estudadas como conteúdo constante no currículo escolar. É preciso descolonizar o currículo e, nesse caminho, descolonizar mentes que introjetam imagens totalmente equivocadas sobre os povos e culturas indígenas”, afirma.

Segundo o professor, preconceitos que retratam os povos indígenas como atrasados ou pertencentes ao passado precisam ser superados. “Imagens que os povos indígenas são genéricos (materializadas no termo ‘índio’, que apaga a diversidade cultural destes povos), pertencentes ao passado ou culturalmente atrasados, precisam ser vencidas”, completa.
Para ele, a mudança oficial do nome da data, ocorrida em 2022 com a Lei nº 14.402, é um passo importante nesse processo. A substituição de “Dia do Índio” para “Dia dos Povos Indígenas” reforça o reconhecimento da pluralidade cultural dos povos originários.
“O termo ‘índio’ torna homogêneo um mundo plural e rico de culturas. São povos Caixana, Miranha, Kambeba, Baré, Baniwa, Tikuna, Wamiri-Atroari e tantos outros. Nesse sentido, mudar o nome da data para o Dia dos Povos Indígenas talvez melhor expresse essa diversidade, mas principalmente o reconhecimento desta diversidade”, reforça o professor.
Luciano Ewerton destaca ainda que, no meio acadêmico, há cada vez mais estudos que reconhecem os indígenas como protagonistas de suas histórias, e não apenas como vítimas passivas da colonização.
“Há um conjunto significativo de estudos que demonstram o que chamamos na disciplina histórica de agência dos povos indígenas. É a noção de que os indígenas elaboram ações e estratégias políticas de sobrevivência e existência, tanto no passado quanto no presente. Isso não nega o genocídio causado pela colonização ou pela ditadura militar, mas mostra que os povos indígenas sempre resistiram.”
Entre os exemplos citados, o professor menciona o povo Kambeba, que vê a educação como estratégia para fortalecer sua cultura e cidadania. Para esse povo, garantir o acesso ao ensino básico, tecnológico e superior é parte fundamental de sua luta por direitos.
“Como professores da educação escolar indígena, eles podem reforçar sua cultura e também acessar o conhecimento da sociedade nacional, o que é estratégico para suas ações e lutas”, explica.
Luciano conclui afirmando que, ao ingressarem nas universidades, os indígenas levam suas próprias pautas e saberes, provocando transformações dentro das instituições de ensino. “Eles aldeiam a Academia, misturam saberes, exigem escuta e respeito. Isso muda o ambiente acadêmico e amplia o entendimento sobre o que é, de fato, conhecimento.”