Caio Silva – Rios de Notícias
MANAUS (AM) – O caso relatado por Thalita Araújo, mãe de Tamiris Araújo, que aguardava o nascimento da pequena Aurora Beatriz, ganhou ampla repercussão nas redes sociais após denúncias de negligência médica na Maternidade Instituto Dona Lindu, em Manaus.
O episódio reacendeu o debate sobre as falhas no atendimento a gestantes e a necessidade de melhorias nas maternidades públicas do Amazonas.
O caso causou comoção e indignação, levantando discussões sobre a qualidade do atendimento obstétrico e a responsabilização por falhas médicas em partos de risco.

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Especialistas ouvidas pelo Portal RIOS DE NOTÍCIAS comentaram o caso e destacaram que situações como essa evidenciam a fragilidade do sistema de atendimento obstétrico no estado, especialmente no que diz respeito à humanização, ao preparo das equipes médicas e à falta de protocolos eficazes de emergência.
Negligência médica e violência obstétrica
Para Gabriela Repolho, doula e fundadora do Humaniza Coletivo, com colaboração da obstetriz Larissa Costa, condutas médicas que podem caracterizar negligência incluem demora no atendimento, falta de avaliação adequada na admissão e ausência de monitoramento de sinais de risco, como hipertensão.
“A negligência também é uma forma de violência obstétrica. O não cumprimento de protocolos, a desvalorização da fala da gestante e a discriminação no atendimento aumentam a chance de não identificar o risco e impedem sua resolução em tempo oportuno”, explica.
A especialista destaca a diferença entre uma complicação inevitável e um caso de omissão médica.
“A complicação inevitável é um evento adverso que ocorre mesmo com o cumprimento de todos os protocolos. Já a omissão ocorre quando há falha na conduta profissional — seja por negligência, imprudência, imperícia, atraso injustificado, ausência de acompanhamento ou descumprimento de protocolos”, afirma Gabriela.


Ela também alerta que um atendimento frio e desumanizado torna o ambiente de parto hostil e inseguro.
“O medo e o estresse materno aumentam, o que interfere na liberação de ocitocina — hormônio essencial para o trabalho de parto — e pode prolongar o processo, levando a intervenções que seriam evitáveis. A falta de escuta e acolhimento contribui para traumas psicológicos, como depressão pós-parto e transtorno de estresse pós-traumático”, ressalta.
Segundo Gabriela, a violência obstétrica (VO) é definida pela Lei Estadual nº 4.848/2019 como qualquer prática que desrespeite a autonomia, segurança e integridade da mulher ou pessoa gestante durante o ciclo gravídico-puerperal.
“É importante reforçar que essa violência ocorre tanto em instituições públicas quanto privadas”, pontua.
A especialista defende medidas como o fortalecimento do pré-natal de alto risco, com triagem precoce, encaminhamento para unidades de referência, e capacitação contínua das equipes em ética, comunicação empática e manejo de emergências obstétricas.
“É essencial investir em infraestrutura humanizada, garantir a presença de acompanhantes e doulas, e fiscalizar as unidades que descumprirem as normas de atenção humanizada”, conclui.
Marcas da dor
O caso ocorrido na Maternidade Dona Lindu deixou marcas profundas em Tamiris Araújo, que relatou ter conhecido a filha Aurora Beatriz já sem vida, com ferimentos na cabeça e na testa.
“A minha bebê era perfeita e cheia de saúde. Ela estava normal, mas por negligência médica, eu a perdi”, lamentou.

Tamiris pede justiça e diz que outras mães relataram experiências semelhantes na unidade.
“Várias mães disseram que passaram pela mesma negligência e perderam seus bebês. Eu já estava exausta, com dor, e ninguém me avaliava”, contou.
Ela relata ainda um dos momentos mais dolorosos: após o óbito, precisou esperar para realizar a cesariana. “Me levaram para a sala de cirurgia, mas me retiraram de lá porque havia chegado uma emergência que diziam ser mais grave. Colocaram outra paciente no meu lugar e eu tive que esperar ainda mais”, relatou Tamiris.
Marcas do passado
O caso também trouxe à tona relatos anteriores de violência obstétrica na mesma unidade. Em 2021, Chay Santos, 36, denunciou ter sofrido maus-tratos e descaso durante o parto de sua filha Olívia, hoje com quatro anos.
“Infelizmente, nada mudou na Maternidade Dona Lindu. As gestantes continuam sendo tratadas com descaso. Quatro anos se passaram e ainda é triste ver tantas mulheres passando pelas mesmas dores”, afirmou.


Após o parto, Chay apresentou febre alta e dores abdominais, sendo diagnosticada com edema na cicatriz da cesariana. Ela precisou ser reoperada e, na segunda cirurgia, os médicos identificaram uma infecção por Pseudomonas, bactéria associada à falta de higiene hospitalar.
“O sistema público precisa cuidar melhor das gestantes, principalmente das que têm gravidez de risco. As equipes precisam ser treinadas para agir com empatia, respeito e rapidez”, declarou.
Chay também criticou as condições precárias da maternidade. “Parecia um comércio clandestino. Camas e lençóis sujos, mau cheiro, falta de higiene. Mais do que equipamentos, falta uma cultura de cuidado, onde a vida da mãe e do bebê sejam prioridade”, concluiu.
Posicionamento
O Portal RIOS DE NOTÍCIAS entrou em contato com a Secretaria de Estado de Saúde (SES-AM) para solicitar um posicionamento sobre as denúncias, mas não obteve retorno até a publicação desta matéria. O espaço segue aberto para manifestação.











