Gabriela Brasil – Rios de Notícia
MANAUS (AM) – Assim como em diversos países, o Brasil tem enfrentado uma onda de ódio entre os mais jovens. Como consequência, ataques e ameaças às escolas são crimes cada vez mais recorrentes nos últimos meses em diversos estados brasileiros, inclusive no Amazonas, onde foram registrados atos violentos realizados por adolescentes nas dependências escolares.
Ao portal Rio de Notícias, especialista aponta o aumento de grupos de extrema-direita nas redes sociais, local onde compartilham discursos de ódio contra as chamadas “minorias” e influenciam a concretização da violência em espaços públicos.
Conforme o sociólogo Israel Pinheiro, o discurso de ódio é um fenômeno crescente que surgiu desde os anos 90 com os fóruns na internet. “Eles organizavam discurso de ódio, inclusive, se constituíram como sendo a nova extrema-direita”.
O que parecia ser um fenômeno restrito à países como os Estados Unidos da América já é uma realidade no Brasil. A explosão de ataques às escolas nas últimas semanas tem preocupado estudantes, pais e autoridades.
Dos 23 atentados contra escolas brasileiras, realizados nos últimos 20 anos, cerca de 10 deles ocorreram nos últimos 13 meses, conforme dados do Monitor do Debate Político no Meio Digital da Universidade de São Paulo (USP).
“Há a figura do incel, do redpil e a manipulação de uma masculinidade hegemônica. Grande parte dos atentados são realizados por homens adultos e jovens adolescentes. Essa expectativa masculinista é construída dentro destes fóruns e da sociedade fora dos fóruns”, ressaltou Pinheiro.
Sendo um desses registros, e pela primeira vez, no Amazonas. O fato se deu no dia 10 de abril, quando um estudante de 12 anos atacou duas colegas de sala e uma professora. Ele usou uma arma branca para ferir as vítimas. Porém, confessou que queria ter uma arma de fogo para cometer o ato criminoso, onde, inclusive, planejou entrar em confronto direto com a polícia militar. A escola onde aconteceu o ato é uma unidade tradicional do Estado, uma escola particular e de cunho religioso, localizada na Zona-Sul de Manaus.
A naturalização do nazismo e do fascismo nos últimos anos, segundo Israel, é uma das possíveis causas para o aumento dos discursos de ódio e de ataques nas escolas brasileiras.
As vítimas estavam nas dependência da Escola Adventista, e tiveram ferimentos leves, por sorte, e também, foram rapidamente atendidas por equipes médicas. Além disso, os agentes agiram rapidamente para conter o adolescente e também acionaram as autoridades policiais, o que favoreceu para o fato não agravar ainda mais.
Desde a data deste ataque até o dia 19 de abril, o canal de atendimento do Núcleo de Inteligência e Segurança Escolas (NISE), implantado pelo Governo do Amazonas, registrou cerca de 160 denúncias de possíveis ataques às escolas. Os dados foram informados ao portal Rios de Notícias pela Secretaria de Educação do Amazonas (Seduc).
Intimamente relacionado aos atentados, o sociólogo também chama a atenção para a cultura masculinista. Conforme Israel, o ódio às mulheres está relacionado com esse tipo de cultura. Nas plataformas digitais, grupos caracterizado por sentirem ódio às mulheres como os ‘redpil’ e ‘incels’ têm cooptado homens e meninos pela aversão à figura feminina.

Outro dado alarmante contabilizado pelo NISE é referente às apreensões de adolescentes. Ao todo, cerca de 82 adolescentes foram apreendidos até esta quarta-feira, 19/4, em todo o Amazonas.
Aos policiais, o aluno confessou que cometeu as ações violentas por dois motivos: tinha objetivo de ganhar fama e notoriedade, assim como sentia ódio por mulheres. O sociólogo Israel Pinheiro explicou que os ataques às escolas tem relação direta com a escalada dos discursos de ódio nas plataformas digitais.
Esses grupos, de acordo com Israel Pinheiro, se estabeleceram como um ‘contrapúblico’ às ideias e discussões do debate público.
O ódio ao ambiente escolar também permeia as ações violentas nas escolas. Nos últimos anos, segundo Israel, foi construído um discurso contra o conhecimento. “Esse ódio à escola pública, aos professores, que foi construído nestas plataformas digitais, gera uma consequência”, salienta.
Crescimento do neonazismo na internet

Nos últimos dias, diversas escolas têm recebido denúncias de possíveis ataques marcados para acontecer nesta quinta-feira, 20/4. Muitas dessas ameaças reverenciam o atentado de Columbine, massacre que vitimou 15 pessoas em uma escola dos Estados Unidos Americanos (EUA). Aliado a isso, a data também é conhecida por ser o dia em que se comemora o aniversário do nazista alemão Adolf Hitler.
“Não é uma data qualquer. Não é à toa que os próprios responsáveis pelo massacre de Columbine escolheram esse dia. Porque eles queriam relembrar um outro atentado em Oklahoma, que explodiu um prédio do FBI”, destacou.
Ódio às minorias
Em sua pesquisa de doutorado, Israel Pinheiro constatou que a internet facilita a construção de ‘contrapúblicos’, os quais se alimentam de ódio pelas minorias. Ideias que antes eram pouco difundidas começaram a se ampliar nas redes sociais, em relação ao debate público feito pela grande imprensa, e passaram a conquistar certos grupos. Esse alcance se dá com a responsabilização dos problemas sociais e econômicos às mulheres, imigrantes, negros e comunidade LGBTQIA +.

Nesse sentido, Israel Pinheiro frisa que situações de precarização da vida, como o desemprego, fome ou a falta de moradia são problemas atribuídos à existência das “minorias”. “As mulheres são as culpadas. Os negros são os culpados. Pessoas que lutam por melhores condições sociais são culpadas. Então todo mundo é culpado, menos a desigualdade e a estrutura social que vivemos”, evidencia.
“Isso vai criando um espaço na internet, o qual o ódio às minorias vai aumentando com a crise estrutural. Grande parte dos problemas que causam essa crise estrutural são maquiados em uma narrativa para se criar um ‘bode expiatório’ para se odiar, que são as minorias”.
Israel Pinheiro
A partir deste horizonte, Israel Pinheiro aponta a ótica distorcida da realidade, que ganha suporte nos fóruns de ódio na internet, e acabam substituindo o envolvimento desse indivíduo com a escola, com a comunidade e outros espaços sociais.
“Eles não culpam os elementos de ordem estrutural, justamente porque não têm essa leitura de ordem social. Então, apoiados por essas plataformas digitais, que se encontram à margem do centro da discussão pública, começam a construir essa interpretação da realidade”, pontuou.
Polarização e ódio à escola
Na análise de Israel Pinheiro, o processo de polarização na política, que ganhou amplitude nos últimos dez anos, também acelerou o aumento dos discursos de ódio no Brasil. Esse ambiente agressivo se tornou ainda mais latente nos últimos quatro anos, lembra o especialista.
“Houve um aumento da circulação de armas. Tem figuras públicas que se colocam em guerra com outras pessoas por posições políticas diferentes. Tem um discurso de ódio vinculado ao centro do debate público”, afirmou Israel Pinheiro.
O sociólogo também apontou a migração dos discursos de ódio, os quais ficavam escondidos na deep web, para plataformas digitais populares, como o Facebook, Telegram, Twitter e em outras mais nichadas, como o Discord, um aplicativo para a comunidade de jogos online. “Há um conjunto de plataformas tecnológicas de comunicação”, frisa.
Projetos de médio prazo

Para o sociólogo, as contratações de Agentes de Portaria e guardas metropolitanos nas escolas não são o suficiente para frear a onda de violência no ambiente escolar no Brasil.
Os caminhos para combater os ataques são processos graduais de desarticulação dos grupos de discurso de ódio, somado ao processo educacional à médio prazo de conscientização e de revalorização dos valores democráticos da sociedade.
“Não adianta medidas voltadas para o pânico moral, são necessários projetos e um programa público que lide com isso. É preciso que a gente pense, enquanto sociedade organizada, em maneiras pedagógicas de transformação social”, explicou.
Outra alternativa, destacada pelo sociólogo, é a criação de redes de apoio de atendimento psicológica, como os Centros de Atenção Psicossocial (Caps). Em relação ao Amazonas, Israel criticou que houve uma desarticulação dos Caps. Como resultado, a instituição tem ficado cada vez mais sobrecarregada. “Há um processo de desarticulação gradual onde a figura desses profissionais fica desvalorizada, e as estruturas são desarticuladas”, disse Israel.
“A gente precisa pensar e tomar decisões analíticas. Ninguém vai chegar com uma formula mágica para solucionar esse problema. Esses ataques não vão parar agora. Isso requer um grande esforço para desarticular os discursos de ódio instituídos nas redes sociais”, salientou.