Vívian Oliveira – Rios de Notícias
MANAUS (AM) – A expressão “Barrancas de terras caídas” há muito tempo faz parte do vocabulário cultural da região amazônica. A expressão foi imortalizada na música “Tic Tic Tac”, composta por Braulino Lima em 1993 e eternizada na voz de Zezinho Correa (in memorian). Entretanto, mais do que uma letra de sucesso, as terras caídas são um fenômeno natural que afeta a paisagem ribeirinha da Amazônia e, recentemente, ganhou destaque devido a desabamentos que afetaram comunidades ribeirinhas no Amazonas.
As terras caídas referem-se ao processo de erosão que ocorre nas margens dos rios amazônicos. Esse fenômeno é resultado de uma série de fatores, incluindo o clima, o nível dos rios, a composição do solo nas margens e o tempo. Além disso, a ação do homem também contribui para a fragilização do solo. Esse processo erosivo pode ser catastrófico e, em casos recentes, levou à tragédia em algumas comunidades.
![terras-caídas](https://www.riosdenoticias.com.br/wp-content/uploads/2023/10/terras-caidas.jpg)
Um dos eventos com as terras caídas mais recente ocorreu na comunidade Arumã, no município de Beruri, onde um desabamento às margens do rio Purus causou a morte de duas pessoas e deixou mais de 200 desabrigados. O desastre tomou repercussão nacional e evidenciou a vulnerabilidade das comunidades ribeirinhas diante do fenômeno natural.
Outros casos de desabamentos também ocorreram recentemente em municípios como Coari e Manicoré, deixando casas destruídas e feridos. O risco de desabamentos em áreas vulneráveis é uma preocupação constante para as autoridades e comunidades locais.
Mais do que uma expressão
Mais do que apenas um verso em uma canção famosa, as terras caídas são uma realidade para as comunidades ribeirinhas da Amazônia. Com “Tic, Tic, Tac”, Braulino trouxe à tona o fenômeno que afeta a paisagem ribeirinha da região.
“Barrancas de Terras Caídas” têm um significado profundo na história do artista, que compôs a canção enquanto trabalhava no interior do Amazonas, observando as terras e os barrancos desmoronando, criando uma melodia única e letras que representam sua vivência.
![braulino lima](https://www.riosdenoticias.com.br/wp-content/uploads/2023/10/braulino-lima.jpg)
“As barrancas de terras caídas
Faz barrento o nosso rio-mar
As barrancas de terras caídas
Faz barrento o nosso rio-mar
Amazonas, rio da minha vida
Imagem tão linda que meu Deus criou
Fez o céu, a mata e a terra
Uniu os caboclos construiu o amor”
Inicialmente, a música “Tic Tic Tac” não obteve sucesso imediato, já que na época as toadas não eram lucrativas. No entanto, em 1996, a banda Carrapicho regravou a música em seu CD “Festa de Boi-Bumbá” com um arranjo pop. A canção chamou a atenção do produtor francês Patrick Bruel, que a levou para a Europa, onde se tornou um sucesso nas pistas de dança.
O sucesso fez com que Braulino deixasse sua antiga profissão de carpinteiro e pescador para se dedicar à composição. Aos 82 anos, recém completados no último dia 9 de outubro, e convivendo com a doença de Parkinson, ele continua a ganhar dinheiro com suas composições.
A música “Tic Tic Tac” é mais do que a maior canção da cultura amazonense; ela é um lembrete das “terras caídas” que moldam a paisagem amazônica e podem representar uma ameaça para as comunidades que ali residem.
Difícil de conviver
Eliberto Barroncas, músico e artista visual, compartilhou sua perspectiva sobre o intrigante fenômeno das “Terras Caídas” que moldou sua infância e influenciou sua ligação com a rica cultura musical da região amazônica.
Nas margens do Amazonas, um dos maiores rios de água barrenta da Amazônia, as terras arenosas enfrentam o desafio de erosão abrupta, ameaçando as comunidades ribeirinhas.
Eliberto descreve como esse fenômeno, muitas vezes imperceptível, ocorre com a infiltração do rio sob a terra, enfraquecendo sua base e causando desabamentos repentinos, frequentemente resultando em danos materiais e, ocasionalmente, até mesmo em tragédias com acidentes fatais.
“É um fenômeno bem difícil de conviver. É um rio de leito ainda em processo de amadurecimento, que vai quebrando terras aqui e forma uma ilha com essa terra quebrada mais adiante. É como se ele fosse brincando de derrubar um barranco que ele mesmo fez no passado e vai aterrando outras áreas”, descreveu.
![eliberto-barroncas](https://www.riosdenoticias.com.br/wp-content/uploads/2023/10/eliberto-barroncas.jpg)
Mas o movimento dessas águas, segundo Barroncas, também inspira poetas e compositores locais a criar obras que destacam a complexa relação entre a geografia das margens e o curso dinâmico desses rios.
“Ele passa a ser também uma inspiração porque quebra essa máxima de ser um rio, caminho líquido que vai se adequando às nuances das margens do leito, respeitando a geografia das pedras, dos barrancos. E é comum a gente ouvir por aí que é um ‘caminho que caminha’, metáfora de um existir, educado às nuances do caminho, com a sabedoria de não se chocar com os obstáculos, de ser líquido, como o pensamento do Bauman, que fala de uma sociedade líquida”, filosofou.
A percepção única de Eliberto Barroncas, que viu o Rio Amazonas pela primeira vez aos nove anos, reflete as influências sociais e culturais na região amazônica, demonstrando como a migração e a convivência entre as culturas rural e urbana contribuíram para sua identidade artística e sua valiosa contribuição para a cena musical e artística de Manaus.