Elen Viana – Rios de Notícias
MANAUS (AM) – O Dia da Consciência Negra, celebrado nesta quarta-feira, 20/11, foi instituído em 2003 com o objetivo de homenagear Zumbi dos Palmares, símbolo da resistência negra à escravidão e líder do Quilombo dos Palmares. A data também busca promover reflexões sobre a posição dos negros na sociedade.
Em Manaus, existem diversas pessoas e comunidades à frente da luta e celebração da identidade negra, uma delas é o Quilombo do Barranco de São Benedito, localizado na Praça 14 de Janeiro, na zona Sul. O quilombo é uma comunidade formada por pessoas escravizadas fugitivas das fazendas coloniais.
Centenária, a comunidade foi certificada em 2014 pela Fundação Cultural Palmares como o segundo quilombo urbano do Brasil.
O Portal RIOS DE NOTÍCIAS entrevistou Rômulo Vieira dos Santos, quilombola, advogado e um dos responsáveis pelo Quilombo do Barranco e pelo projeto “Do Quilombo se Fez Samba Raiz”. Ele explicou como a tradição é mantida na comunidade.
“A participação e a preservação da identidade afrodescendente aqui no quilombo são de suma importância. Como eu sempre ressalto, antes de sermos certificados como quilombo, eramos o Barranco. Praticamente, as famílias aqui são pioneiras da negritude no Amazonas. No quilombo, uma questão primordial é difundir e expandir informações, mostrando à sociedade que em Manaus há sim, negros, que nossa luta é constante”, afirmou Rômulo Vieira.
Tradição e musicalidade
O Barranco também é conhecido por manter viva a tradição dos sambistas familiares e por transmitir às novas gerações a importância da musicalidade. Um dos projetos realizados desde 2015 é o “Samba do Pagode do Quilombo”, que ocorre aos sábados e reúne grupos locais para exaltar tradições negras, além de oferecer a famosa feijoada, conhecida pelos visitantes.
“Para as futuras gerações, temos projetos como a Associação das Crioulas de São Benedito, que realiza diversas ações voltadas para crianças e mulheres. Aqui funciona o Pagode do Quilombo, além de projetos como ‘Do Quilombo se Fez Samba Raiz’, que ensinam cultura, musicalidade, samba e pagode a pessoas de todas as idades, dos mais jovens até os idosos”, destacou ele.
Devoção e fé
A fé e a tradição têm forte presença na comunidade, sempre com São Benedito como figura central, considerado o santo protetor dos escravizados.
Segundo os devotos, Benedito Manasseri nasceu em 1526, na Sicília, Itália. Negro e descendente de escravizados, ele teve uma trajetória religiosa marcada pela ajuda aos pobres e foi canonizado em 1807 pelo Papa Pio VII. A Igreja Católica celebra o santo em 5 de outubro, mas os festejos no quilombo ocorrem durante a Semana Santa.
Rômulo também destaca que a estátua que fica no quilombo tem uma grande representatividade, principalmente em identificação cultural. Entretanto, ele enfatiza as diferenças da imagem vinda do maranhão há 134 anos com o cesto de flores, com a que está instalada atualmente.
“A imagem de São Benedito que temos foi um presente, e é importante para as pessoas que passam e veem que aqui é o Quilombo Urbano de São Benedito. Entretanto, ela é diferente da nossa imagem do Maranhão, toda talhada em madeira. A imagem atual é católica e carrega um nenê, enquanto a nossa traz um cesto de flores, representando um dos milagres do santo”, explicou ele.
Um dos milagres mais conhecidos de São Benedito é o milagre das rosas. A lenda conta que ele esvaziava a despensa do convento para doar alimentos aos pobres, ao ser repreendido, disse que carregava flores em seu manto. Quando seu superior verificou, encontrou um ramalhete de rosas no lugar dos pães.
“Aqui somos muito devotos de São Benedito. Ele está na Praça 14, em Manaus, no Barranco, que agora é o Quilombo do Barranco de São Benedito”, contou ele emocionado.
Luta e reconhecimento
Outra voz importante na luta pelo reconhecimento é a de Ana Carolina do Amaral, presidente da Comissão de Igualdade Racial da OAB Amazonas, que trabalha para promover igualdade racial e de gênero, com atenção especial às mulheres negras.
“Nos cinco anos de existência da Comissão de Igualdade Racial, já realizamos diversos eventos, palestras, workshops e ações. A OAB tem o dever de fiscalizar e ajudar a sociedade na promoção da equidade racial, não apenas falando sobre racismo, mas aplicando medidas de igualdade”, destacou Ana Carolina.
A presidente enfatizou que a luta se manifesta em frentes como a conscientização antirracista para jovens estudantes e a criação de espaços de debate, inclusão e participação de mulheres negras em posições de poder.
Um exemplo disso é o “Manual de Conscientização Antirracista”, elaborado pela comissão com o design de Omã Freire e Bruno Costa. O material tem como objetivo estabelecer um diálogo acessível com alunos do ensino médio sobre racismo, políticas afirmativas e reparação.
“O manual foi criado para deixar um legado, queremos estabelecer um diálogo com as novas gerações, pois ninguém nasce racista. É um comportamento aprendido pela sociedade. Nosso objetivo é alcançar a população periférica e promover o entendimento dessas causas”, explicou Ana Carolina.
Ela lembrou que a data celebra lutas e conquistas, mas também o legado de resistência, fé e união que devem perdurar para construir uma sociedade mais igualitária.
“Novembro Negro foi criado para reflexão, mas a discussão precisa ser diária. Temos um compromisso constante com a promoção da equidade racial, não só pelo racismo, mas pela superação de outros desafios. Somos potência e excelência em diversas áreas do conhecimento”, concluiu ela.