Vívian Oliveira – Rios de Notícias
MANAUS (AM) – “Eu tenho muito orgulho do trabalho que faço e de tudo que eu entrego para minha comunidade, em forma de cuidado e luta“. A declaração é de Iara Fernandes, coordenadora operacional da Casa Miga e tesoureira do Manifesta, uma figura dedicada ao acolhimento e às operações da instituição.
No Dia do Orgulho LGBT+, comemorado nesta quarta-feira, 28/6, o portal RIOS DE NOTÍCIAS conversou com duas personagens que não medem esforços para proporcionar oportunidades e dignidade a sua comunidade.
Uma delas é Iara. Lésbica, casada com Karen Arruda que é presidente da Casa Miga, além de ser mãe da Sara e da Sofia, a ativista explicou sobre sua luta em prol da comunidade e o papel fundamental que a Casa Miga desempenha ao fornecer abrigo para pessoas em situação de vulnerabilidade.
“São pessoas que foram expulsas de casa por serem LGBTs, em situação de cárcere, maus-tratos, abuso psicológico e físico. Nós fazemos uma triagem porque não conseguimos atender todas as pessoas, principalmente as que tem dependência química. Mas a gente tenta fazer o máximo de acompanhamento possível”
Iara Fernandes, ativista
A instituição conta com assistentes sociais e psicólogos voluntários, já que não possui recursos para contratar pessoal. Após a triagem, as pessoas acolhidas têm um período de três meses para se estabilizarem psicologicamente, emocionalmente e financeiramente. Durante esse tempo, a Casa Miga conta com o apoio de parceiros e doações físicas de empresas para garantir seu funcionamento.
“O dia do orgulho é necessário para que, em pelo menos uma data, o ‘assunto LGBT’ seja ressaltado para o pagamento do respeito. É uma oportunidade para destacar as questões que afetam essa população e promover a conscientização em relação à diversidade. Ainda estamos longe de uma realidade segura”, pontuou Iara.
Como surgiu o Dia do Orgulho?
Em 28 de junho de 1969, a polícia de Nova Iorque fez uma abordagem violenta em um bar chamado Stonewall Inn, frequentado pela comunidade LGBTIA+. A forma truculenta dos policiais acabou provocando uma rebelião entre os frequentadores que durou horas. O episódio deu início a uma série de passeatas nos arredores da cidade e é considerado um marco na luta pelos direitos da comunidade LGBTIA+.
O ícone do movimento, Marsha P. Johnson, surgiu nessa época. Ela foi uma mulher trans ativista negra de enorme importância para a luta e participou das manifestações que ficaram conhecidas como ‘Rebelião de Stonewall’ e impulsionou o surgimento de organizações LGBTIA+ e a criação do Dia do Orgulho LGBT+.
No Brasil, o movimento LGBTIA+ começou em 1970 com o surgimento de grupos de ativistas que lutavam pela igualdade de direitos para a comunidade. Em 1980, foi realizada a primeira Parada do Orgulho Gay, em São Paulo, e se tornou referência na luta por direitos e visibilidade da população.
Avanços
“Embora ainda estejamos longe de uma realidade segura, a tolerância tem sido fortalecida a cada ano. Apesar dos avanços conquistados, ainda há muito trabalho a ser feito para garantir a inclusão de pessoas LGBTIA+ em escolas, locais de trabalho, desenvolvimento social e cuidados médicos adequados”, destacou Fernandes sobre a evolução do movimento.
Como principais conquistas alcançadas pelo movimento LGBTIA+ nos últimos anos, Iara mencionou a retificação de nomes para pessoas trans e a classificação da homofobia como crime previsto em lei.
“Essas vitórias são reflexos do progresso na luta pelos direitos LGBT e mostram que a comunidade está avançando em direção a uma sociedade mais igualitária”, afirmou.
De acolhida para aliada de luta
Mablice Fontes, uma mulher trans de 28 anos, é cria da Casa Miga. Com uma história de superação e engajamento na luta pelos direitos e pela inclusão da comunidade LGBTIA+, a ex-acolhida da casa compartilhou sua experiência e os desafios enfrentados por pessoas transgênero e travestis em busca de inserção no mercado formal de trabalho.
“Atualmente, eu estou no mercado formal de trabalho. E, em paralelo, me articulando com outros movimentos para trazer travestis e mulheres trans para esse mercado que não nos quer e não nos recebe”, disse Mablice, que ressaltou a importância de se articular com outros movimentos para enfrentar o preconceito e as barreiras que dificultam a entrada de pessoas trans no mercado de trabalho.
Ela própria teve duas passagens pela Casa Miga, encontrando apoio e acolhimento em momentos de vulnerabilidade. No primeiro, quando a casa era predominantemente ocupada por pessoas venezuelanas, Mablice chegou a um ponto de ruptura emocional devido à discriminação familiar que sofria.
“Na época, eu não estava trabalhando, tinha parado de estudar e dependia da minha mãe. E essa era a questão porque ela vivia com um homem extremamente machista que não me respeitava e ela aceitava isso. E ela queria que eu aceitasse porque era o homem que ela escolheu. Daí, eu resolvi sair de casa”, relatou.
Desempregada e sem fonte de renda, ela buscou abrigo e encontrou suporte na Casa Miga. Porém, posteriormente, decidiu sair e morar com uma amiga, na tentativa de encontrar emprego. A busca por emprego não teve êxito, e Mablice enfrentou dificuldades que a levaram a retornar à Casa Miga.
“Agora, o cenário já era totalmente diferente. Eram outras pessoas, tinham muito mais brasileiros. Tinha pessoas LGBTs. Acabei ficando por uma ano. Comecei a atuar como voluntária. Em seguida, surgiu uma entrevista para um trabalho formal. Fui aprovada para uma vaga temporária em dezembro de 2021. Fui conquistando meu espaço, trabalhando duro. Também comecei a lutar, me articular e conversar com as pessoas para trazer mais mulheres travestis para o mercado de trabalho porque eu não quero ser a única, eu quero que sejam muitas e muitas, entende?”, confidenciou.
Através do diálogo e articulação, Mablice procura entender as necessidades específicas dessas pessoas, incluindo sua formação acadêmica e profissional, a fim de buscar qualificação adequada e promover sua inserção em um mercado que historicamente as excluiu.
“Eu tenho orgulho de poder dar continuidade a essas conquistas que não é só minha. É de todas as pessoas LGBT’s, principalmente das irmãs que foram assassinadas historicamente no Brasil e no mundo. Pessoas que lutaram para que pudéssemos estar aqui hoje e continuar essa história de sucesso e não ser um estereótipo. Meu orgulho é poder lutar até que não precise mais lutar por algo que é básico”, proferiu.