Júnior Almeida – Rios de Notícias
MANAUS (AM) – A Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária (Infraero), que já chegou a administrar 66 aeroportos, incluindo todos das capitais brasileiras, e movimentava mais de 155,4 milhões de passageiros por ano, hoje, gerencia apenas 14 aeroportos sob sua gestão. A empresa que operava Guarulhos e Congonhas agora disputa na Justiça a posse de hangares como o Aeroclube do Amazonas, na zona Centro-Sul de Manaus.
O embate foi parar na Justiça e terminou em acordo judicial no último dia 22 de outubro. O Aeroclube do Amazonas, existente desde 1940, terá que desocupar o aeródromo de Flores até 1º de dezembro, pagar R$ 15 mil mensais de aluguel à estatal e quitar uma dívida de R$ 460 mil em 12 parcelas. Se não cumprir o prazo, a multa será de R$ 2 milhões.
Para entender como a Infraero precisou disputar na Justiça o espaço do aeródromo de Flores, é preciso voltar no tempo. Em 2010, a estatal tinha 13.923 funcionários. Hoje, são apenas 3.598, uma redução de 55,3% em 15 anos. Desses, 2.691 estão cedidos a outras estatais. Ainda em 2010, apenas 133 trabalhadores estavam nessa situação.
Mas a transformação começou em 2011, com as rodadas de concessões aeroportuárias. Primeiro foi Guarulhos em 2012, o aeroporto mais movimentado do Brasil. Depois vieram Viracopos, Brasília, Galeão, Confins, Recife, Salvador e Afonso Pena. A maior perda da estatal aconteceu em 2023, quando Congonhas passou para a iniciativa privada.
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Ao todo, 57 aeroportos foram leiloados em sete rodadas. Até a terceira rodada, a Infraero ainda mantinha participação acionária nas concessões. A partir de 2017, passou a entregar tudo de vez.
No Amazonas, a perda do Eduardo Gomes
Em Manaus, a Infraero perdeu o controle do Aeroporto Internacional Eduardo Gomes em janeiro de 2022, quando a administração do terminal, o maior e mais movimentado da região Norte, foi repassada à francesa Vinci Airports, empresa privada.
O terminal havia sido arrematado no leilão da 6ª rodada de concessões, em abril de 2021, por R$ 420 milhões de outorga inicial. O contrato de 30 anos prevê arrecadação total de cerca de R$ 5 bilhões e investimentos de pelo menos R$ 1,48 bilhão.


Antes da pandemia, em 2019, o Eduardo Gomes movimentava 2,9 milhões de passageiros e 120,8 mil toneladas de carga por ano. Era o 3º maior aeroporto do Brasil em quantidade de carga.
Após perder o Eduardo Gomes, a Infraero ficou no Amazonas apenas com o aeródromo de Flores, um terminal regional de pequeno porte na zona Centro-Sul da capital, que antes era de total administração do Aeroclube do Amazonas. Uma portaria do Governo federal entregou a gestão para a estatal em 16 de novembro de 2023.

Restaram 14 aeroportos
Hoje, a Infraero administra oficialmente 14 aeroportos em oito estados. Da primeira prateleira, restou apenas o Santos Dumont, no Rio de Janeiro, que sozinho responde por 94,4% dos 6,5 milhões de passageiros movimentados pela empresa em 2024. Veja a lista completa divulgada no site da estatal:

A lista atual ainda inclui outros 11 terminais pequenos, aeródromos como o Governador Valadares (MG), Mossoró (RN), Sorriso (MT), Canela (RS) e o próprio Flores, em Manaus. São aeroportos pequenos, regionais, com baixo movimento de voos comerciais.
Aposta na aviação regional
Diante do encolhimento forçado, a Infraero precisou se reinventar. Em nota institucional, a empresa afirma que seu mapa estratégico “foi devidamente ajustado ao processo evolutivo da estratégia da companhia de focar seus esforços no crescimento da aviação regional”.
O objetivo, segundo a Infraero, é “contribuir com a integração nacional por meio do desenvolvimento da aviação civil brasileira”. Esse papel de “instrumento de integração nacional” ganhou força com o retorno de Luiz Inácio Lula da Silva à presidência em 2023.
“A Infraero é um ativo importante para o país e precisamos trabalhar cada vez mais juntos a fim de cumprirmos a agenda da aviação civil brasileira. A orientação do presidente Lula é trabalharmos em ações e iniciativas que visem o fortalecimento da estatal e do setor aeroportuário”, já declarou o ministro de Portos e Aeroportos, Silvio Costa Filho.

Mas o mesmo ministro chegou a dizer, em setembro de 2025, que o Brasil precisa “discutir o papel da Infraero” e que “cabe ao privado cuidar do setor da aviação”. Segundo ele, a Infraero pode ser mais uma agente de obras em aeroportos, do que uma gestora.
O déficit de R$ 540 milhões
Apesar de ter mantido saúde financeira após perder os principais aeroportos, em 2024 a Infraero apresentou um déficit de R$ 540 milhões. As justificativas foram a “execução de investimentos para a ampliação da infraestrutura aeroportuária de aeroportos regionais.”
Ocupação de Flores
Em novembro de 2023, por meio da Portaria nº 514 do Ministério de Portos e Aeroportos, a Infraero recebeu a outorga do Aeroporto de Flores. O documento determinou: “Atribuir à Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária – Infraero a administração, operação e exploração do Aeroporto de Flores (SWFN), localizado no município de Manaus/AM”.


Foi aí que começou o problema com o Aeroclube do Amazonas. Segundo a Infraero, ao assumir o aeródromo, encontrou o Aeroclube ocupando “irregularmente” o espaço, que é de propriedade da União.
O que diz a Infraero
“Em uma inspeção inicial realizada pela Infraero durante a fase de transferência operacional, foram encontrados diversos problemas de segurança e infraestrutura no aeroporto”, afirma a empresa em nota enviada ao Portal RIOS DE NOTÍCIAS.
A estatal alega que o Aeroclube não tinha “instrumento jurídico válido” para permanecer no local desde a extinção, em 2023, do Convênio de Delegação nº 19/2018 com o Estado do Amazonas.
“Diante dos obstáculos impostos pela administração do Aeroclube do Amazonas para que a Companhia pudesse iniciar a efetiva gestão do aeroporto, a Infraero precisou entrar com uma ação judicial em face do Aeroclube para solicitar a posse do aeródromo”, justifica a empresa.
A versão do Aeroclube
O presidente do Aeroclube do Amazonas, Cassiano Ouroso, vê a situação de forma completamente diferente. “Fomos pegos de surpresa. Fizeram uma coisa extemporânea. Vamos para a luta e vamos provar que não é como estão querendo que seja”, afirmou Ouroso em entrevista ao Portal RIOS DE NOTÍCIAS.

Ele rejeita a versão da Infraero sobre irregularidades e questiona a cobrança de R$ 439 mil pelo uso da área. “Querem que a gente pague aluguel de uma coisa que a gente construiu. Os hangares foram projetados por nós, construídos sem subvenção pública, e a cobrança é injusta”, disse o presidente.
Ouroso afirma que a matrícula que dá respaldo à ocupação do Aeroclube remonta a atos administrativos antigos, já que o espaço funciona desde 1940. “Eles chegaram com o pé na porta, atropelando tudo com arrogância… danificaram áreas e até tiveram negligência que causou incêndio em um prédio nosso”, relatou.
Crise nacional em aeroclubes
O caso envolvendo a disputa do Aeroclube do Amazonas não é isolado. De acordo com levantamento recente, ao menos 26 aeroclubes no Brasil foram despejados, notificados judicialmente ou enfrentam litígios para manter suas operações.
“Os despejos de aeroclubes no Brasil deixaram de ser casos isolados, são muitas questões em jogo, e se transformaram em uma crise nacional”, afirmou Cassiano Ouroso à reportagem.
Historicamente, os aeroclubes cumprem missão essencial: a de formar pilotos civis, difundir a cultura aeronáutica e atuar em situações de interesse social. Mas os altos valores de locação, a revisão de contratos antigos e a pressão sobre áreas estratégicas estão expulsando essas instituições sem fins lucrativos.
Para o presidente do Aeroclube do Amazonas, o que está em jogo é a formação de pilotos na região Norte. “Estamos aqui desde 1940, formamos gerações de pilotos. Se pararem nossa escola, a aviação regional sofre. Faltam pilotos no mercado e serviços podem ser interrompidos”, alertou Ouroso.











