Letícia Rolim – Rios de Notícias
MANAUS (AM) – Em entrevista exclusiva ao Portal RIOS DE NOTÍCIAS, a delegada Juliana Tuma, titular da Delegacia Especializada em Proteção à Criança e ao Adolescente (Depca), detalhou os desafios à frente da especializada e o trabalho realizado no acompanhamento das denúncias.
A autoridade policial destacou alguns obstáculos enfrentados pelo órgão responsável pela investigação e proteção das vítimas. Um dos principais desafios mencionados foi a situação econômica das vítimas. Segundo ela, a dependência econômica frequentemente impede as vítimas de denunciarem seus agressores, que, em muitos casos, são os próprios provedores da casa.
Tuma também aponta outros fatores sociais e emocionais que dificultam a denúncia. “São diversos obstáculos. Até uma condição econômica, que gera um sentimento de culpa por parte da vítima. Tem todo um sentimento de ambivalência em relação ao suspeito. Quem vai sustentar a casa agora?”, questiona.
Além das barreiras econômicas e emocionais, há também questões que dificultam o acesso da criança ou do adolescente à delegacia. Apesar desses desafios, Juliana reforça o compromisso da delegacia em responsabilizar os autores e minimizar o sofrimento das vítimas.
“O nosso maior objetivo é responsabilizar os autores e minimizar o sofrimento da vítima. Eu preciso que ela se sinta acolhida e que ela siga adiante. Esse é o foco, inclusive quando a gente fala de responsabilização do autor, é pra que ela entenda que aquilo ali não vai ficar impune”, explicou Tuma.
Aumento nos crimes e perfis dos suspeitos
Conforme um levantamento realizado pela REPORTAGEM, baseado em dados da Secretaria de Segurança Pública do Estado do Amazonas (SSP-AM), Manaus registrou um aumento em crimes contra crianças e adolescentes. Entre os delitos mais cometidos estão assédio sexual, estupro e maus-tratos. A análise revela que esses crimes cresceram aproximadamente 10% em 2024. Os números são de janeiro a junho deste ano e já superam os registrados no mesmo período em 2023.
No entanto, Juliana Tuma relata que os números dos crimes refletem o esforço contínuo do órgão no combate a esses delitos, enfatizando a importância de uma rede de apoio. Segundo a polícia, o aumento nos registros não significa um acréscimo real na incidência dos crimes, mas sim uma melhora no processo de identificação e denúncia desses atos.
“A partir do momento que entendemos que o trabalho de rede está sendo feito para incentivar as denúncias, conseguimos tomar as providências necessárias para a responsabilização dos autores. O aumento que vemos é, na verdade, resultado desse trabalho de rede”, salientou Tuma.
Ela acrescentou que, quando há essa elevação no número, é porque é feito todo um trabalho para o encorajamento das vítimas, para que elas denunciem tais crimes às autoridades. “Então, é sobre uma diminuição de subnotificação, não de aumento de casos”, disse.
Ao falar sobre o perfil de um abusador, a autoridade policial explicou a dificuldade de traçar um perfil específico dos suspeitos, mas disse que a maioria desses crimes é cometido por pessoas próximas às vítimas.
“Sempre quando falamos em perfil de abusador ou potencial suspeito, não tem uma característica específica que a gente consiga traçar. Mas geralmente, esse autor é alguém que na maioria das vezes é de confiança da vítima, que tem uma autoridade sobre ela”, detalhou Tuma.
Os passos ao receber uma denúncia
A delegada também explicou o protocolo adotado pela especializada ao receber uma criança ou adolescente vítima de qualquer tipo de violência.
“Primeiro, verificamos se a vítima está em um lugar seguro e se o atendimento médico está sendo priorizado. Caso necessário, ela é encaminhada para uma rede de assistência social. Uma vez estando em um ambiente seguro, tomamos as providências de acolhimento. Esse acolhimento é importante para que a vítima se sinta apoiada aqui na delegacia”, detalhou Juliana Tuma.
A delegada enfatizou a importância de criar um ambiente seguro para que a vítima se sinta à vontade para relatar o ocorrido e colaborar com as investigações. Segundo ela, muitas vezes é preciso uma aproximação para que a vítima se sinta segura e a vontade para ser acompanhada, para que dessa forma as providências necessárias sejam tomadas. Após realizados todos esses procedimentos, a delegacia instaura os processos formais.
O desafio de separar o lado humano do profissional
Juliana relatou que trabalhar em uma unidade especializada em crimes, especialmente aqueles envolvendo vítimas vulneráveis, é uma tarefa complexa e emocionalmente desgastante. À frente da DEPCA, ela compartilhou como lida com a tarefa de separar sua vida pessoal das responsabilidades profissionais.
“Preciso fazer um distanciamento enquanto ser humano, mulher e mãe. Saio do ambiente de trabalho, tranco a porta e vou embora. No entanto, nem sempre é possível deixar os problemas para trás. Muitos casos me causam aflição e um sentimento ruim”, contou.
O impacto emocional dos casos é profundo. Tuma menciona a angústia de lidar com situações extremas, como o de casos como o que ocorreu recentemente de uma bebê usada para pagar dívidas com o tráfico de drogas.
“É impossível simplesmente desligar. Ora estou bem, ora estou mal. Tenho que aprender a abstrair críticas e encontrar um equilíbrio para continuar desempenhando meu trabalho da melhor forma possível.”
Como denunciar
As denúncias sobre crimes contra crianças e adolescentes podem ser registradas na unidade policial mais próxima do local onde aconteceu o fato ou pela Delegacia Virtual (Devir).
Posteriormente, o Boletim de Ocorrência (BO) será encaminhado para Delegacia Especializada em Proteção à Criança e ao Adolescente (Depca), que dará andamento às investigações.