Vívian Oliveira – Rios de Notícias
MANAUS (AM) – Na última segunda-feira, 6/5, o prefeito David Almeida (Avante) teceu críticas sobre vereadores de oposição, gerando polêmica na Câmara Municipal de Manaus (CMM) e nas redes sociais. O Portal RIOS DE NOTÍCIAS conversou com três advogados eleitorais para avaliar se a fala pode ser caracterizada como crime eleitoral.
“Cuidado quando votar, principalmente para vereador. A pessoa que pode estar batendo na sua porta pedindo seu voto é o cara que está negando uma escola reformada no seu bairro… Cuidado com esses caras que só apontam o dedo para o problema e quando são convocados para resolver, para solucionar, se negam… Eu vou abrir os olhos da população. Essa pessoa que você está votando está lhe negando muitas vezes a saúde, a educação, novas creches, a infraestrutura do asfalto, o esporte, o lazer na sua comunidade.”
David Almeida, prefeito de Manaus
Advogada e especialista em Direito Eleitoral, Maria Benigno examinou a declaração de Almeida e concluiu que não há indícios claros de crime eleitoral.
“Não há nada na fala dele que possa configurar qualquer tipo de ilícito. O crime eleitoral é uma coisa que é investigada numa ação penal eleitoral. Agora ações que possam implicar em multa e até cassação, esses são ilícitos eleitorais e são analisados em representações, em ações de investigação judicial eleitoral. E nesse caso específico, ele só fez um alerta para a população, para ver bem em quem a pessoa vai votar”, explicou a advogada.

Benigno ressaltou que a crítica política faz parte do jogo democrático e que apenas condutas que infrinjam explicitamente a legislação podem ser consideradas ilícitos eleitorais. Segundo ela, a fala do prefeito não menciona nomes específicos e não configura calúnia, difamação ou injúria, requisitos essenciais para caracterizar um crime eleitoral.
“É própria do jogo político. Se houvesse a citação de algum nome, a atribuição de algum tipo de crime, aí sim a pessoa supostamente ofendida poderia não só entrar com um pedido de multa por propaganda antecipada negativa, como poderia fazer uma representação ao Ministério Público para investigar a prática do crime”, afirmou a especialista, que acrescentou:
“E, nessas duas hipóteses, não há a mínima possibilidade de se alcançar o mandato, seja o atual ou o próximo, na eventualidade de o prefeito se reeleger. É uma fala absolutamente normal.”
Princípio da legalidade
Clotilde Monteiro, também especialista em Direito Público, analisou a declaração do prefeito e chegou a uma conclusão semelhante. Ela argumentou que as críticas de Almeida foram uma expressão legítima de opinião política, não direcionadas especificamente a indivíduos, o que afasta a possibilidade de crime.
Além disso, a especialista esclareceu que durante o período de pré-campanha, as regras são mais flexíveis, permitindo críticas políticas desde que não haja pedido explícito de voto.
“Tem o fator temporal dos crimes eleitorais, isto é, alguns crimes eleitorais apenas podem ser cometidos a partir do momento em que, efetivamente existem candidaturas, o que depende dos pedidos de registro de candidaturas perante a Justiça Eleitoral”, lembrou a advogada.

Quanto aos limites da pré-campanha eleitoral, Monteiro observou que há uma falta de regulamentação específica. Ela explicou que o Artigo 36-A da Lei das Eleições oferece diretrizes sobre o que não é considerado propaganda eleitoral antecipada, mas a falta de clareza abre espaço para interpretações diversas.
“Temos uma espécie de limbo normativo, porque a pré-campanha, embora seja uma realidade, não é exatamente regulamentada. O que nós temos é um dispositivo na Lei das Eleições que traz o que não é considerado propaganda eleitoral antecipada. Esse dispositivo, somado às inúmeras decisões do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sobre o tema, nos dão o tom dos limites da pré-campanha. Basicamente, ficou estabelecido que tudo o que pode ser feito na campanha, pode ser feito também na pré-campanha, desde que não haja pedido explícito de voto e não-voto”, esclareceu.
Pedido de não voto
Já Sergio Roberto Bulcão Bringel Junior, membro da Comissão de Direito Eleitoral da OAB/AM, observou que o prefeito não cometeu um crime no sentido jurídico estrito, mas sim um ilícito eleitoral ao desencorajar o voto em vereadores de oposição.
“Ele difundiu em desfavor dos vereadores da oposição um pedido expresso de não voto. Pela Lei das Eleições até dia 16 de agosto não é possível pedir voto e por consequência o não voto. Usar de mecanismos de propaganda que já seriam proibidos na campanha eleitoral regular, bem como tomar qualquer tipo de atitude que venha afetar a igualdade de oportunidades entre os pretensos candidatos na disputa eleitoral”
Sérgio Bringel, membro da Comissão de Direito Eleitoral da OAB/AM
Quanto às possíveis consequências legais para o prefeito, Bringel Junior destacou que, se considerado culpado por um crime eleitoral, Almeida poderia enfrentar multas. Mas ressalta que um possível padrão de comportamento poderia levar a acusações mais graves.
“Preocupa que isso tem sido uma constante do prefeito para prejudicar o grupo político adversário. Ou seja, existe um contexto direcionado a prejudicar políticos que se oponham à gestão atual, se utilizando da estrutura da prefeitura e da condição de gestor para prejudicar os adversários, que pode ser considerado abuso de poder político e levar, caso constatada gravidade, ao reconhecimento da inelegibilidade, além da cassação do registro ou do diploma do candidato”, alertou Bringel Junior.

Quanto aos procedimentos para iniciar um processo de impedimento (impeachment) contra o prefeito, caso se confirme o crime eleitoral, Bringel explica que a Lei Orgânica do município de Manaus prevê que a Câmara de Vereadores seria responsável por processar e julgar o prefeito por conduta incompatível com o cargo.
“Essa provocação para processamento e julgamento pode ser feita por qualquer vereador, por partido político ou por qualquer munícipe eleitor, mas também depende de admissão pelo presidente da Câmara e aprovação por maioria absoluta dos membros presentes em plenário”, finalizou.