Vitória Freire – Rios de Notícias
MANAUS (AM) – Na última terça-feira, 27/2, a Universidade Federal do Amazonas (Ufam) paralisou, por tempo indeterminado, a matrícula da chamada regular institucional dos aprovados no Sistema de Seleção Unificada (Sisu) 2024, em razão de uma decisão judicial proferida, em janeiro deste ano, pela magistrada Marília Gurgel Rocha de Paiva e Sales.
Caio Augustus Camargos Ferreira, do Distrito Federal, que compete por uma vaga no curso de medicina na Ufam, é o responsável por mover a Ação Popular que reivindica a bonificação proposta pela instituição.
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No processo, a representação de Caio descreveu a bonificação como um ‘‘bônus regional/estadual’’, que dificulta o ingresso de pessoas como ele, que apesar de ter frequentado o ensino médio em escola particular, não teve acesso a uma educação de qualidade. Anexadas às petições, estão também receitas de medicamentos para ansiedade e para dormir.
O vestibulando iniciou, igualmente, ações contra a Universidade Federal da Bahia, a Universidade Federal do Sul da Bahia, a Fundação Universidade Federal do Maranhão, a Universidade Federal de Mato Grosso e a Universidade Federal do Acre – obtendo sucesso apenas no caso do Amazonas.
No âmbito da Justiça Federal, a juíza Marília Gurgel suspendeu a Resolução n.º 44/2015 do Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (Consepe/Ufam) e da Portaria n.º 1.589/2023, que garantem uma bonificação de 20% na nota do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) aos candidatos que cursaram integralmente o ensino médio em escolas situadas no Amazonas.
Antes da implementação da bonificação pela Ufam, os candidatos locais representavam menos de 20% das vagas no curso de medicina, conforme relatado pela Pró-Reitoria de Ensino e Graduação (Proeg).
Em 2013, nenhum estudante amazonense foi aprovado em medicina na Ufam através do Sistema de Seleção Unificada (Sisu) 2013.
‘‘STF não vedou cotas regionais’’
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Essa não é a primeira vez que políticas afirmativas para estudantes da região Norte são contestadas judicialmente. Em outubro de 2023, o Supremo Tribunal Federal (STF) invalidou a Lei n.º 2894/2004, que reservava 80% das vagas do vestibular da Universidade Estadual do Amazonas (UEA) para alunos que cursaram todo o ensino médio em escolas no Amazonas.
A interpretação do STF, citada pela juíza Marília Gurgel e pelo desembargador Alexandre Machado Vasconcelos, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) – que rejeitou o recurso da Ufam – fundamentou a decisão dos magistrados.
O subprocurador-geral adjunto, Isaltino Barbosa Neto, reforçou ao Portal RIOS DE NOTÍCIAS que apesar de o STF ter atribuído inconstitucionalidade à Lei n.º 2984/2004, a Corte não “vedou” o estabelecimento de cotas regionais.
‘‘Na verdade, eles retiraram a repercussão geral da matéria exatamente porque havia uma divergência, ali, em chegar em um percentual. Alguns [dos ministros] chegaram a mencionar 50%, outros não mencionaram. Ela [a Corte] apenas disse que 80% não poderia. Então, preferiram deixar isso para um momento posterior. Mas, não houve vedação do estabelecimento de cotas regionais’’
Isaltino Barbosa Neto, subprocurador-geral adjunto
Abismo educacional
Nas redes sociais, a suspensão de matrículas divulgada pela Ufam ocasionou inúmeras manifestações por parte de alunos, educadores e demais civis amazonenses.
O professor de História, Luca Premoli, publicou um vídeo em seu perfil no Instagram (@historiaporcapitulo) contestando a decisão judicial. A postagem acumula aproximadamente 50 mil visualizações em menos de 24 horas.
Para a reportagem, o docente analisou que há uma percepção em outras regiões do país de que seria “mais fácil” ser aprovado para o curso de medicina em Manaus do que em determinados estados. Ele relatou que a bonificação, na realidade, visa garantir vagas para estudantes do Amazonas que enfrentam as consequências do abismo educacional brasileiro.
‘‘O que se observa é uma pessoa de fora [do estado] que está entrando com uma ação na Justiça Federal para remover essa bonificação.
É uma pessoa que tem privilégios e está usando desses privilégios para conseguir um elemento que ela não conseguiu por mérito próprio, através dos estudos.
Quando comparamos os estudantes do Amazonas com alunos de outras localidades, existe um abismo educacional. As regiões Sul e Sudeste estão significativamente à frente da região Norte, em termos de investimentos e oportunidades. ’’
Luca Premoli, professor de História
Em 2021, dados divulgados pelo Ministério da Educação (MEC) indicaram que o Distrito Federal, local de residência de Caio Augustus, estava classificado como a terceira unidade federativa com melhor desempenho no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) para os anos de ensino médio. Por outro lado, o Amazonas ocupava o vigésimo, conforme o mesmo estudo.
Devido à estiagem severa, em 2023, milhares de crianças e adolescentes que dependiam dos rios para chegar às escolas tiveram seus processos de aprendizagem comprometidos. Escolas ribeirinhas de Manaus, por exemplo, encerraram o ano letivo antecipadamente, em razão da seca que atingiu o rio Negro.
MEC respondeu
Em nota divulgada à imprensa, a pró-reitoria de Ensino de Graduação da Universidade Federal do Amazonas (Proeg/Ufam) informou que teria encaminhado ao Ministério da Educação (MEC), na terça-feira, 27/02, o ofício 012/2024/Proeg/Ufam, no qual solicita a viabilização do cumprimento da decisão judicial.
O secretário de educação superior, Alexandre Brasil Carvalho da Fonseca, comunicou oficialmente à Ufam (confira o documento abaixo) que a reabertura do sistema para alterações é inviável, pois poderia prejudicar os estudantes inscritos, as instituições participantes e seus calendários acadêmicos.
‘‘Como se depreende, tal medida resultará em graves prejuízos aos calendários acadêmicos das instituições, os quais seriam seriamente comprometidos, o que não se mostra razoável.
As repercussões em termos de suspensão ou revogação de matrículas, bem como atraso nos calendários letivos, são inestimáveis.
Também seriam imputados prejuízos de grande montante ao erário, considerando o alto custo de implementação do processo seletivo no âmbito do MEC e das instituições de ensino’’, diz trecho do documento.
O MEC também recomendou que todas as medidas cabíveis fossem tomadas pelos órgãos de assessoramento jurídico da Ufam e da União, ‘‘a fim de sensibilizar os órgãos do Poder Judiciário acerca das drásticas repercussões decorrentes do possível alcance da decisão.’’
Confira o documento na íntegra: