Lauris Rocha – Rios de Notícias
MANAUS (AM) – Receber o diagnóstico de HIV na infância ou adolescência não marca apenas o corpo: também atinge profundamente a mente e a identidade. O estigma, o medo da rejeição e as incertezas sobre o futuro podem desencadear ansiedade, depressão e até ideação suicida. Nesse contexto, a atenção à saúde mental se torna tão fundamental quanto o tratamento clínico.
Na Amazônia, a Casa Vhida, fundada em 1999, atua como referência nesse cuidado integral. A instituição acolhe crianças e adolescentes vivendo com HIV em Manaus e em comunidades ribeirinhas, oferecendo medicação, educação, proteção e, sobretudo, acompanhamento psicológico e psiquiátrico para ajudar cada jovem a lidar com os impactos invisíveis da doença.


“O primeiro acolhimento deles é no serviço social, onde são identificadas as demandas necessárias para o atendimento psicológico, nutricional, odontológico e médico. Nós temos o atendimento psiquiátrico, aulas de reforço, atividades lúdicas, recreativas para eles se sentirem bem acolhidos, contamos também com parcerias e voluntários”, explicou a coordenadora de projetos, Leilane Lima.
Estigma
Um levantamento do UNICEF em parceria com o UNAIDS e a Rede Nacional de Adolescentes e Jovens Vivendo com HIV/AIDS (RNAJVHA) mostrou que, apesar dos avanços no tratamento, o estigma segue como uma das principais barreiras para a saúde mental. A pesquisa, que ouviu mais de 700 jovens de todas as regiões do Brasil, revelou que 64,2% avaliam positivamente o acolhimento recebido nos serviços de saúde.
O psiquiatra Hélio de Melo Nascimento, que acompanha os beneficiários da Casa Vhida, reforça que o cuidado emocional é decisivo para adesão ao tratamento. De acordo com o médico, o acompanhamento permite identificar precocemente sinais de sofrimento psíquico e fortalecer a adesão ao processo antirretroviral.
“A psiquiatria oferece suporte emocional, trata transtornos mentais associados ao HIV e fortalece a adesão ao tratamento. O acompanhamento permite identificar precocemente sintomas como depressão, ansiedade e ideação suicida. Estratégias incluem psicoterapia, medicação adequada (como fluoxetina ou risperidona) e envolvimento familiar”, destacou.


Reconstruindo identidades
O momento do diagnóstico é um divisor de águas na vida dos jovens, exigindo sensibilidade e acompanhamento especializado.
“O HIV é um diagnóstico que traz marcas para o corpo e a saúde mental das pessoas. Sabemos que, historicamente, é uma doença configurada por muitos estigmas, lutas sociais e resistência. Então, aqui na Casa Vhida, quando recebemos essas crianças e adolescentes, temos a consciência de que é uma nova vida e identidade. Existir com HIV no mundo é uma forma diferente de existir”, destacou a psicóloga, Gabrielle Figueiredo.
Para ela, o trabalho vai além da clínica: trata-se de construir vínculos, oferecer um espaço seguro de escuta e fortalecer a autoestima desses jovens. O acompanhamento psicológico e psiquiátrico busca mediar não apenas o impacto do diagnóstico, mas também os desafios da convivência social, o medo da rejeição e a necessidade de pertencimento.
É nesse processo, segundo os profissionais, que cada criança e adolescente encontra recursos internos para ressignificar a própria história e projetar um futuro possível, apesar do estigma.


“Quando eu atendo crianças, tenho todo cuidado e sensibilidade para a revelação diagnóstica delas, para que elas entendam o que é a doença, a adesão de forma humanizada e sensibilizada. Com os adolescentes trabalhamos a identidade, socialização, pertencimento, o que significa ser diferente, querendo ou não, dos outros enquanto você cresce com o HIV”, ressaltou.
Histórias de superação
O impacto desse cuidado é visível na vida de jovens como Adrio Mota, de 18 anos, morador do bairro Nova Vitória, zona Leste de Manaus. Ele frequenta a Casa Vhida desde os sete anos e atribui grande parte de sua superação às atividades oferecidas pelo espaço.
“Eu frequento a Casa Vhida desde 2014 e as atividades mais marcantes foram as aulas de música e de informática. A musicalização me ajudou a lidar com problemas pessoais, como a timidez e a falta de inclusão social. Já nas aulas de informática, aprendemos inclusão digital e social, o que é essencial para quem ainda não tem acesso a computadores ou celulares. Eu tenho problemas muito difíceis e o psiquiatra me ajudou muito. É muito bom estar aqui, é muito lindo. Eu planejo ter uma empresa, um carro e uma família no futuro digno”, disse o jovem.


Além das aulas, Adrio participa de rodas de conversa conduzidas pelo educador social e pela psicóloga, onde são discutidos temas como saúde mental, autoestima, identidade, inclusão social e pertencimento.
“É um trabalho feito em conjunto com a psicóloga. A gente retrata temas principais como saúde mental, inclusão digital e social. Falamos que incluir eles numa sociedade tecnológica é importante, principalmente para quem ainda não tem acesso a um computador ou um celular”, destacou Hellionay Lima, educador social da Casa Vhida.
Essas atividades permitem que os jovens reflitam sobre suas experiências, fortaleçam vínculos com colegas e familiares e desenvolvam resiliência frente ao estigma e às dificuldades impostas pelo HIV.


Um espaço de acolhimento e amor
Atualmente, a Casa Vhida atende 318 crianças e adolescentes vivendo com HIV e acompanha mais de 2.100 bebês expostos ao vírus desde o nascimento até o fechamento do diagnóstico. Ali, cada consulta psiquiátrica, roda de conversa e gesto de afeto se transforma em ferramenta de resistência contra o estigma.
“O nosso trabalho é sempre em prol da saúde e bem-estar das nossas crianças e adolescentes com HIV, é mostrar para elas que existe um mundo com qualidade de vida, sonhos e esperanças. Aqui todos se sentem acolhidos e amados”, concluiu Leilane Lima.












